sábado, 2 de julho de 2011

Travessia da fronteira

Travessia da Fronteira
Tenzin Tsendue - poeta e combatente da liberdade
Evoca o calvário de uma mãe tibetana acompanhando seus filhos em direção à liberdade do exílio.

Insinuando-nos silenciosamente à noite e nos escondendo 
     de dia,
Foi assim que em 20 dias alcançamos
     as montanhas nevadas.
A fronteira ainda estava a vários dias de caminhada.
O solo pedregoso sovava nosso corpo sob e esforço
     e a dor.
Acima de nossa cabeça, passou em bombardeiro,
Meus filhos soltaram um grito de terror
E se refugiaram contra meu peito.
Era tamanho o esgotamento, eu me sentia
     como se estivesse desmembrada,
Mas meu espírito vigiava...


Temos que continuar ou morreremos aqui.
Uma filha aqui, um filho ali,
Um bebê nas minhas costas,
Partimos pelos campos nevados.
Rastejamos sobre o flanco de montanhas parecidas
     com monstros
Cujas mortalhas muitas vezes cobriam
     corpos de passantes que se aventuraram por ali.


No meio desses campos da morte inteiramente brancos,
Um monte de cadáveres gelados
Despertou nossa coragem vacilante.
Manchadas de sangue se espalhando sobre a neve.
Os soldados devem ter crusado seu caminho,
No nosso país caído nas mãos de dragão vermelho.


Nós rezamos "Joia que atende aos desejos",
Com a esperança no coração, a prece nos lábios,
Não temos quase nada para comer
E só o gelo para estancar nossa sede,
Rastejamos juntos, noite após noite.
Mas, uma noite, minha filha se queixou de um pé
     que queimava.
Ela caiu e se levantou sobre a perna gelada.
A pele em farrapos e talhada com profundos
     cortes que sangravem,
Ela se encolheu, tremendo de dor.
No dia seguinte, suas duas pernas estavam perdidas.


Assaltada pela morte de todos os lados,
Eu era uma mãe impotente;
"Amala, salva meus irmãos,
Eu vou descansar um pouco."
Até eu não ouvir mais seus gemidos, que
     se prederam ao longe,
Olhei para trás, através da minhas lágrimas e 
     do suplício da dor.
Minhas pernas me carregaram, mas meu espírito
     ficou com ela.


Muito tempo depois, no exílio, eu continuo a vê-la
Agitando para mim sua mãos geladas.
Mais velha dos meus filhos, mas mal
     chegada à adolescência,
Deixar nosso país foi penoso.
Toda noite eu acendo uma vela para ela
E seus irmãos se juntam a mim na prece.


Fonte: Dalai - Lama 
Minha autobiografia espiritual.
Ed. Bertrand Brasil

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