Devemos criar sempre, mas a partir de onde?
Devemos criar a partir do fundo da tradição.
Devemos achar a essência... o ku, mas se quisermos achar o verdadeiro ku, teremos de achar os fenômenos.
Não devemos ser dirigidos pela história
nem pelo social.
Não devemos ignorar a históra nem o social.
Praticar o Zazen é penetrar na solidão pessoal mais completa do ser humano.
Uma pessoa só pode ser íntima de si mesma;
Atingir uma profunda intimidade.
Assim lhe é dado penetrar seu verdadeiro ego.
Nossa vida é a viagem da solidão.
O homem forte e verdadeiro, corajoso e grande,
Não necessita da ajuda de outrem
Não a deseja.
Devemos tornar-nos nossa verdadeira natureza
Devemos penetrar essa verdadeira natureza
E percorrer firmemente o caminho.
Só existe um eu.
Não há um segundo ego debaixo do meu eu.
Se obtivermos o satori, e ele aparecer dependurado na ponta do nosso nariz, isso não ficará bem.
Se formos cheios de gentileza com os outros, e ela pender da ponta do nosso nariz, não será uma verdadeira gentileza.
Em geral, as pessoas querem dissimular suas más inclinações e expor apenas seu lado bom.
Às vezes Ku, às vezes Shiki... é melhor.
Não se deve depender do que quer que seja.
Como o lavrador que trabalha no campo, de sol a sol, sem depender de nada, nem das ilusões, nem do satori.
É o lavrador total.
Nada o perturba.
As restrições são ilusões.
Significam: restringir-nos a nós mesmos.
Por exemplo:
Não amo, detesto, amo-o,
Quero honras, quero dinheiro,
Desejo ir a algum lugar, quero viajar...
Tudo isso são desejos, ilusões. Os desejos governam nossa vida cotidiana provocando o sofrimento.
São dependências.
Buda significa a Verdadeira Liberdade.
Zazen é essa Verdadeira Liberdade.
...Certa noite um ladrão entrou numa pequena ermida e não achou nada que pudesse levar. Mas divisou Ryokan adormecido debaixo da coberta. Imediatamente, apoderou-se dela e fugiu. O frio despertou Ryokan, o qual, espirrando, compreendeu que a coberta lhe fora roubada.
A Lua brilhava, magnífica, no céu e Ryokan podia vê-la da janela; compôs então este poema, que ficou famoso:
Que maravilha!
A Lua tão bela iluminando minha janela,
Por que o ladrão não a levou?
Nenhum acontecimento, fosse ele qual fosse, podia perturbar-lhe a tranqüilidade interior.
O luar brilha sobre cada pedacinho de relva. É um fenônemo cósmico universal, é a natureza de Buda, é Deus, enche todo o cosmo. Assim, podemos respirar, observar o cosmo inteiro, ouvir-lhe todos os sons, sentir e saborear os perfumes e as florestas. É preciso tocar o cosmo inteiro. É o verdadeiro zazen. É Shikantaza.
Ainda que julguemos compreender tudo, ainda que estejamos absortos no estudo da filosofia mais elevada, se não a pusermos em prática, se dela só tirarmos proveito para nós, isso não é a verdadeira religião, não é a verdadeira filosofia.
Não devemos cessar de progredir. Caminhar sempre com um passo suplementar. Nesse momento, o cosmo inteiro torna-se nosso corpo. Se abandonarmos o pequeno ego, o cosmo inteiro passará a ser o ego.
O céu e a terra têm a mesma raiz, todas as existências são unidade. Caminhando com um passo suplementar, embora estejamos vivos, estamos como mortos, morremos para nós mesmos. Abandonando sempre e ainda o ego, podemos libertar-nos. Não há impasse algum.
Portanto, praticar zazen é como pescar a luz e arar a nuvem. O espírito se amplia, tudo se acalma, podemos tornar-nos íntimos de nós mesmos. Nas religiões, pedimos a Deus ou a Buda. No Zen dirigimo-nos a nós mesmos.
Vamos sempre sós. O caminho da prática é profundamente solitário. Nem um profundo amor que votemos a outro ser suprime a solidão. O marido e a mulher na mesma cama não sonham os mesmos sonhos.
O Zen existe na prática, na repetição da prática. Mesmo que tenhamos compreendido os benefícios do zazen, é difícil perseverar na prática. Se o compreendeis, possuís um tesouro inestimável pois seguis a vida cósmica.
O Caminho é um. O que sobe é idêntico ao que desce. É o mesmo Caminho. Entretanto, no ponto de partida ele é diferente. Quando escalava a montanha, o Buda Sakyamuni ia animado de uma grande esperança, mas dela desceu exausto, com o corpo alquebrado. O Caminho que sobe é o que conduz ao satori, o que desce é o Caminho da salvação, o Caminho da compaixão, mas os dois são inseparáveis; e para lá da sua dualidade são unidade.
Praticar o zazen é satori, verdade. O próprio zazen é satori, o caminho que escala a montanha. Ao mesmo tempo, porém, o zazen é o caminho que desce da montanha.
A verdadeira sabedoria é nos compreendermos a nós mesmos.
Devemos ter essa atitude, justa, intimorata, firme; uma atitude que provoque um choque, eis aí a verdadeira atitude do zazen.
Uma atitude em parte resoluta, uma postura forte, em parte delicada, elegante, como o perfume do sândalo ou do incenso.
Quando cada consciência, ao memo tempo que muda, persevera no mesmo pensamento, este se realiza inconscientemente.
Finalmente, não devemos procurar alcançar uma finalidade, pois só assim a atingimos de fato, só assim ela se realiza inconscientemente.
-- Capítulo do livro 'O Anel do Caminho - Palavras de um Mestre Zen', de Taisen Deshimaru, Editora Pensamento, São Paulo, 1995
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