Quando estávamos cavando as fundações para o centro de retiro, em Gampo Abbey, atingimos um leito rochoso e uma pequena rachadura apareceu. Um minuto mais tarde, começou a fluir água. Uma hora depois, o fluxo era mais forte e a rachadura tinha se alargado.
Assim é encontrar a bondade fundamental do bodhichitta - servir-se de uma fonte de água que esteve temporariamente presa dentro de rocha sólida. Quando tocamos o cerne da tristeza; quando no sentamos com o desconforto, sem tentar remediá-lo; quando nos mantemos presentes na dor da desaprovação ou da traição e permitimos que ela nos suavize, é nesses momentos que fazemos a conexão com o bodhichitta.
Servir-se desse local trêmulo e delicado traz um efeito transformador. Estar nesse local pode parecer incerto e inseguro, mas é também um grande alívio. Somente permanecer lá, mesmo que só por um momento, traz a sensação de um genuíno ato de bondade para com nós mesmos.
Sermos suficientemente compassivos a ponto de aceitarmos nossos próprios medos exige coragem, é claro, e isso definitivamente parece contra-intuitivo. Mas é o que precisamos fazer.
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Como disse Albert Einstein, a tragédia de nos sentirmos separado do resto do mundo é que essa ilusão se transforma em uma prisão. E, mais tarde ainda, nos tornamos cada vez mais amedrontados com a possibilidade da liberdade. Quando as barreiras desmoronam, não sabemos o que fazer. Precisamos ser prevenidos sobre qual é a sensação quando as paredes começam a ruir.Precisamos que nos digam que medo e temor são companheiros do crescer e que é preciso coragem para soltar-se. Não é possível encontrar a coragem para ir aos lugares que nos assustam sem uma investigação compassiva sobre como funciona o ego. Então nos perguntamos: " O que devo fazer quando sinto que não sou capaz de lidar com o que acontece? Onde devo procurar forças e em que devo depositar minha confiança?"
O Buda ensinou que flexibilidade e abertura trazem força e que fugir da insegurança nos enfraquece e traz dor. Mas será que compreendermos que a chave está em nos familiarizarmos com a fuga? A abertura não vem de resistirmos aos nossos medos, mais sim de passarmos a conhecê-los bem.
Em vez de atacarmos aquelas muralhas e barreiras com uma marreta, prestamos atenção a elas. Com gentileza e honestidade, nos aproximamos daqueles muros.Nós os tocamos, cheiramos e passamos a conhecê-los bem. Começamos um processo de reconhecimento das nossas aversões e anseios. Familiarizamo- nos com as estratégias e crenças que utilizamos para construir as muralhas: Quais são as histórias que conto para mim mesmo? O que me afasta e o que me atrai? Começamos a ficar curiosos sobre o que está acontecendo. Sem chamar o que vemos quando conseguimos. Podemos nos observar com humor, sem ficarmos demasiadamente sérios, moralistas ou constrangidos a respeito dessa investigação. Ano após ano, treinamos para nos tornarmos abertos e receptivos ao que quer que ocorra.Devagar, muito lentamente, as rachaduras nos muros parecem se alargar e, como em um passe de mágica, o bodhichitta passa a fluir livremente.
Pema Chödrön -
Os lugares que nos assustam - Ed Sextante
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