(continuação)
Uma forma vista à distância
É percebida claramente pelos que lhe estão perto.
Se uma miragem fosse água, por que
A água não seria vista por quem lhe está perto?
O modo pelo qual este mundo é visto
Como real pelos que estão distantes,
Não é o mesmo visto pelos que estão perto,
[Para quem ele é] sem evidência, como uma miragem.
Do mesmo modo que uma miragem parece água, mas não é
Água e de fato não existe [como água],
Assim os agregados são como uma realidade,
Mas não são nem existem [como realidades].
Por ter acreditado que uma miragem
Era água e ido então até lá [para constatar],
Um homem seria estúpido se concluísse
Que "a água não existe".
Aquele que concebe o quimérico mundo
Como existente ou não-existente
É, por conseqüência, ignorante.
Quando há ignorância, não se está liberado.
O partidário da não-existência sofre más migrações,
Mas felizes advêm aos partidários da existência [relativa];
Aquele que sabe o que é correto e verdadeiro
Não se apóia no dualismo e torna-se, pois, liberto.
Se, por conhecer o que é correto e verdadeiro,
Ele não assevera existência e não-existência,
E por isso [vós pensais] que ele crê na não-existência,
Por que não seria ele um partidário da existência [relativa]?
Se, por refutar a existência [inerente]
Não-existência então lhe advém,
Por que, por refutar a não-existência,
Existência não lhe adviria?
Os que confiam na iluminação
Não sustentam teses niilistas,
Nem agem ou pensam desse modo.
Como podem então ser considerados niilistas?
Perguntai aos que asseveram o mundo, aos samkhyas,
Aos seguidores-da-coruja e aos nirgranthas —
Partidários do "eu" e dos agregados —
Se eles propõem que o que está além "é" e "não é".
Portanto, ficai sabendo que a ambrósia
Dos ensinamentos dos buddhas é chamada profunda —
Um Dharma singular que vai
Muito além de existência e não-existência.
Definitivamente, como poderia o mundo existir
Com uma natureza que transcendeu passado, presente
E futuro, que não desaparece quando destruída,
Não vem e não permanece por um instante sequer?
Porque na realidade
Não há vinda, ida ou permanência,
Que diferença existe, em última análise,
Entre o mundo [samsara] e o nirvana?
Se não há permanência, não pode haver
Nem produção nem cessação.
Então, como poderiam produção, permanência
E cessação de fato existir?
Como as coisas são não-transitórias
Se estão sempre mudando?
Se não mudam,
Como podem então ser modificadas?
Elas se tornam momentâneas em virtude de sua
Parcial ou completa desintegração?
Porque a desigualdade não é compreendida,
Tal transitoriedade não pode ser admitida.
Quando algo deixa de existir devido à transitoriedade
Como pode qualquer coisa ser velha?
Quando uma coisa é não-momentânea devido à permanência,
Como pode algo ser velho?
Uma vez que um momento acaba,
Ele deve ter um começo e um meio;
Esta tríplice natureza de um momento significa
Que o mundo nunca perdura por um instante.
Além do mais, o começo, o meio e o fim
Devem analisar-se como um momento;
Portanto, começo, meio e fim
Não são [produzidos] por si mesmos nem por outros.
Por ter muitas partes, "um" não existe;
Não há nada que seja sem partes;
Além disso, sem "um" não existem "muitos",
E sem existência não há não-existência.
Se, em virtude de destruição ou de um antídoto,
Algo existente deixa de existir,
Como poderia haver destruição
Ou um antídoto sem algo existente?
Definitivamente, o mundo
Não pode desaparecer através do nirvana.
Perguntado sobre se o mundo teria um fim
O Vitorioso era silente.
Por não ter ensinado este Dharma profundo
A seres mundanos — que não eram receptáculos dignos —
Aquele que tudo sabe é conhecido
Como onisciente pelos sábios.
Então, o Dharma da bondade suprema
Foi ensinada pelos buddhas perfeitos —
Os videntes da realidade — como sendo profunda,
Inapreensível e sem fundamento [que não provém de uma base da qual as coisas existam inerentemente].
Atemorizados por esse Dharma sem fundamento,
Deleitando-se em um fundamento,
Sem ir além de existência e não-existência,
Seres não-inteligentes arruínam a si próprios.
Tementes da destemida morada,
Arruinados, eles arruínam os outros.
Ó Rei, agi de modo tal
Que os arruinados não vos arruínem.
Ó Rei, para que vós não sejais arruinado
Explicarei através das escrituras
O modo do supramundano —
A realidade que não se assenta no dualismo.
Esta profundidade que libera
E está além do vício e da virtude
Não foi experimentada pelos que temem o sem fundamento,
Pelos outros, os Vadeadores e nem mesmo por nós.
Uma pessoa não é terra, nem água,
Nem fogo, nem ar, nem espaço,
Não é consciência e nem tudo isso;
Em que a pessoa é diferente dessas coisas?
Assim como a pessoa não é um absoluto,
Mas um composto de seis constituintes,
Assim também cada um deles, por sua vez,
É um composto e não um absoluto.
Os agregados não são o "eu", não estão no "eu",
O "eu" não está nos agregados; sem os agregados, o "eu" não é,
Não está misturado com os agregados como o fogo e o combustível;
Portanto, como pode o "eu" existir?
Os três elementos não são a terra, não estão nela,
Ela não está neles, sem eles ela não é;
Uma vez que isto se aplica a cada um,
Eles, tais como o "eu", são falsos.
Por si mesmos, terra, água, fogo e ar
Não existem inerentemente;
Quando três estão ausentes, não pode haver um,
Quando um está ausente, também o estão os três.
Se, quando três estão ausentes, um não existe,
E quando um está ausente, os três não existem,
Então cada um por si mesmo não existe;
Portanto, como podem eles produzir um composto?
Por outro lado, se cada um existe por si mesmo,
Por que sem combustível não há fogo?
E ainda, por que não há água, ar ou terra
Sem motilidade, firmeza ou coesão?
Se [a resposta for] "sabe-se que o fogo não existe sem combustível, mas os outros três elementos existem independentemente]",
Como poderiam os três existir
Em si mesmos sem os outros? É impossível aos três
Não estarem em conformidade com a originação interdependente.
Como podem os que existem por si mesmos
Ser mutuamente dependentes?
Como podem aqueles que não existem por si mesmos
Ser mutuamente dependentes?
Se não existem como elementos individuais,
Pois onde há um, lá estão os outros três,
Então quando não misturados, não estão num mesmo lugar,
E se misturados, deixam de existir individualmente.
Os elementos não existem individualmente.
Como poderiam, então, existir suas características individuais?
Os que não existem individualmente não podem predominar;
Suas características são consideradas convencionalidades.
Este modo de refutação aplica-se também
A cores, odores, sabores e objetos do tato,
A olho, consciência e forma,
Ignorância, ação e nascimento.
Agente, objeto, ação e número,
Posse, causa, efeito e tempo,
Curto e comprido e assim por diante,
Nome e portador-de-nome também.
Terra, água, fogo e ar,
Alto e baixo, virtude sutil e grosseira,
E por aí afora, diz o Vitorioso
Que cessam na consciência [da realidade].
As esferas da terra, água, fogo
E ar não aparecem
Antes essa indemonstrável consciência —
Senhora absoluta do ilimitado.
Aqui, alto e baixo, sutil e grosseiro,
Virtude e não-virtude
E nomes e formas,
Tudo deixa de ser.
O que não se conhecia é conhecido
Pela consciência como [a realidade] de tudo
O que apareceu antes. Assim sendo, esses fenômenos,
Mais tarde, deixam de estar na consciência.
Todos esses fenômenos relacionados a seres
Consideram-se como combustível para o fogo da consciência;
Eles são consumidos ao serem queimados
Pela luz do verdadeiro discernimento.
Mais tarde a realidade é apurada
Daquilo que antes era imputado pela ignorância;
Quando não se encontra uma coisa,
Como pode haver uma não-coisa?
Porque os fenômenos das formas
São apenas nomes, também o espaço é só um nome.
Sem os elementos como poderiam as formas existir?
Portanto, nem sequer "só-nome" existe.
Sentimentos, discriminações, fatores de composição
E consciências devem ser considerados
Do mesmo que os elementos são a pessoa;
Portanto os seis constituintes [do ser] carecem de natureza intrínseca
Texto atribuído a Nagarjuna
Do livro "A Grinalda Preciosa".
Traduzido do tibetano e editado por
Jeffrey Hopkins e Lati Rinpoche
com a colaboração de Anne Klein.
Tradução em português de Duílio Colombini
Extraído do site www.nosacasa.net/shunya
Esta noite ao dormir vi uma grande aranha descer por um fio de teia até a minha cama. Levantei com o coração aos pulos, acendi a luz, sacudi os lençóis, e por alguns instantes pensei: "ela fugiu?"
ResponderExcluirAo recuperar a lucidez percebi que a aranha não era real. Foi apenas um sonho que me fez temer uma ilusão.
Rosana.