segunda-feira, 30 de março de 2009

Gogo-An


14) O vento sopra através de minha minúscula cabana,
Nem uma só coisa existe no quarto.
Do lado externo, mil cedros;
Na parede, vários poemas estão escritos.
Agora a chaleira está coberta com poeira,
E não há fumaça alguma que surja da panela de arroz.
Quem está a bater no meu portão iluminado pela lua?
Apenas um velho da Aldeia do Leste.

15) Um corpo velho e inútil,
Muitas gerações de flores eu tenho visto nesta cabana solitária e emprestada.
Quando vier a primavera, e se ainda estiver vivo,
Com certeza te visitarei novamente -
espere pelo som do meu cajado.

16) Um solitário dia de inverno, límpido e em seguida nublado.
Eu quero dar uma saída, mas não o faço, gastando algum tempo em minha indecisão.
De repente, um velho amigo vem e me pede que beba com ele.
Agora alegre, eu tiro pincel, tinta e muito papel.

17) Se exite a beleza, deve também haver a feiúra;
Se existe o certo, deve também haver o errado.
A sabedoria e a ignorância são complementares,
E a ilusão e a iluminação não podem ser separadas.
Esta é uma velha verdade, não fiques achando que foi recentemente descoberta.
"Eu quero isto, eu quero aquilo"
Isto nada mais é que tolice,
Eu te direi um grande segredo -
"Tudo é impermanete!"


Meste Ryokan -
"Flor do Vazio" Ano 5 - Vol. 1 - Inverno 2000

segunda-feira, 23 de março de 2009

Poemas do começo do outono (continuação)

9) Ontem fui a cidade mendigando comida de lá para cá.
Meus ombros estão ficando mais magros e não posso mais me lembrar
Quando tive pela última vez uma sacola pesada de arroz.
A geada grossa me lembra continuamente meu manto fino.
Meus velhos amigos, para onde se foram afinal?
Até mesmo novos rostos são parcos.
Enquanto caminho em direção ao pavilhão deserto do verão,
Nada há senão o vento do fim de outono soprando pelos pinheiros e carvalhos.

10) Noite de outono - incapaz de dormir, eu deixo minha cabana.
Insetos de outono zumbem debaixo das pedras, e
Os velhos galhos estão esparsamente cobertos.
Longe, muito longe, fundo no vale, o som d'água.
Eu ali me quedo calmamente durante muito tempo e
Meu manto fica úmido com o orvalho.

11) Voltando à minha cabaninha depois de ter enchido minha tigela de arroz.
Agora somente o calmo fulgor do crepúsculo.
Cercado de cimos de montanhas e de folhas esparsamente colocadas;
Na floresta um corvo de inverno sobrevoa.

12) Minha vida pode parecer um tanto melancólica,
Mas viajando por este mundo afora
Eu me confiei aos céus.
Minha sacola, um quilo de arroz;
Pela lareira, um maço de lenha.
Se alguém que for perguntar o que é a ilusão e a iluminhação,
Isto eu não posso dizer - status e riqueza nada mais são que pó,
Enquanto cai a chuva da tarde eu sento em minha cabaninha
E estico ambos os pés como resposta.

13) Cabelos desgrenhados que passam pela orelha afora,
Um manto desgastado que mais se parece a brancas nuvens e fumaça escura.
Meio bêbado, meio sóbrio, volto para casa,
Crianças por toda parte, que me guiam caminho afora.

Mestre Ryokan -
Fonte: "Flor do Vazio", Ano 5, Vol 1, Inverno 2000

sábado, 21 de março de 2009

Poemas do começo do outono

5) Depois de uma noite de chuva, a água cobre o caminho da aldeia.
Nesta manhã a relva espessa perto de minha cabana está fria.
Na janela, montanhas distantes da cor de jade azul-esverdeado.
Do lado de fora, um rio corre como a sede rebrilhosa.
Debaixo de um penhasco próximo à minha cabaninha, eu lavo minha orelha doída
Com água pura de poço,
Nas árvores, as cigarras recitam seus versos de outono.
Eu tinha preparado meu manto e cajado para uma caminhada,
Mas a beleza repousada me mantém aqui.

6) Neve fresca da manhã em frente ao templo.
As árvores! Elas estão brancas com flores de pêssego,
Ou brancas de neve?
As crianças e eu alegremente brincamos de jogar bolas de neve.

7) Primavera-vagarosamente o som pacífico
Do cajado de um monge se arrasta da aldeia.
No jardim, salgueiros verdes;
Plantas aquáticas flutuam serenamente no laguinho.
Minha tigela está fragrante com  o arroz de mil casas;
Meu coração renunciou à soberba de status e riquezas.
Calmamente reverenciando a memória dos velhos Budas,
Eu vou à aldeia para um outro dia de mendigação.

8) Caminhando rente a um riacho límpido, chego até uma casa de fazenda.
O frio da noie deu lugar à calidez do sol da manhã.
Pardais se juntam em uma touceira de bambu, as vozes ficam flutuando de aqui para ali.
Eu me deparo com o velho fazendeiro de volta para sua casa;
Ele me cumprimenta como um amigo de há muito perdido.
Em sua casa, a senhora do fazendeiro aquece cahcaça
Enquanto comemos vegetais que acabaram de ser colhidos e conversamos.
Juntos, gloriosamente bêbados, não mais conhecemos
O significado da infelicidade.


Mestre Ryokan - 
Fonte: "Flor do Vazio" - Ano5-Vol1 -Inverno 2000

quinta-feira, 19 de março de 2009

Mestre Daigu Ryokan

Nascido em 1758 e falecido em 1831. Este não era um mestre convencional, e nunca teve dicípulos ou se preocupou em morar em mosteiros. Vivia tão somente em uma cabaninha minúscula, Gogo-an, que tinha quatro tatamis e meio de espaço. Possuía apenas um manto e uma tigela, e vivia da prática tradicional Budista de mendigação que fazia nos vilarejos. Brincava com as crianças, como se fosse uma delas, e parecia ser um grande tolo como seu nome dizia, Daigu, mas era um dos grandes mestres Zen japoneses, além de ser o maior de todos os calígrafos e poetas japoneses, sendo uma das figuras que determinaram a estétíca Japonesa. Quem entende um pouco de Zen sente um tremendo medo de chegar perto de tanta suavidade, de tanta humildade e inocência, porque é claro, nós não somos nem temos condições de ser 1/5 do que era este grande mestre. Talvez por isto a reverência por aquilo que está infinitamente acima de nós seja um dos grandes achados da prática Budista.

Revista "Flor do Vazio"(Ano5-Vol1-Inverno de 2000)

Poemas (no estilo Chines)

1) Um caminho estreito cercado de densa floresta;
Por todos os lados, as montanhas se quedam na escuridão.
As folhas de outono já caíram.
Não choveu, mas ainda assim as rochas estão escuras com musgos.
Voltando a minha cabaninha por um caminho que poucos conhecem,
Carregando uma cesta de cogumelos frescos
e um jarro de água pura do poço de um templo.

2) A chuva acabou, as nuvens todas se foram,
e o tempo novamente está limpido.
Se teu coração é puro, então todas as coisas em teu mundo são puras.
Abandone este mundo evanescente, abandone a si mesmo,
Então eis que a lua e as flores te guiarão caminho afora.

3) Eu me sento calmamente, ouvindo as folhas que caem - 
Uma cabaninha solitária, uma vida de renúncia.
O passado já se foi, as coisas não mais são lembradas.
Minha manga está molhada de lágrimas.

4) Degraus de pedra, um bolo de musgo lustroso;
O vento leva em si o perfume do cedro e do pinheiro.
A chuva se deteve e está começando a clarear.
Eu chamo as crianças enquanto ando para apanhar uma cachaça na aldeia.
Depois que bebi demais, escrevi feliz estas linhas.

Mestre Ryokan - 
Fonte: Revista Flor do Vazio - Ano 5-Vol1- Inverno de 2005

quarta-feira, 18 de março de 2009

Começando com honestidade

      Quando começamos a mudar, é difícil voltar ao nosso modo de vida antigo, ainda que o desejemos, Alguma coisa despertou dentro de nós, e a força positiva da mudança cria um momentum que nos impele a continuar. Descobrimos então que o caminho espiritual está justamente aquí, seja o que for que estejamos fazendo; podemos não ter sido capazes de percorrer o caminho deliberadamente, por isso o caminho veio até nós.
     Ainda que tentemos não acreditar que o giro contínuo do desejar e do agarrar seja destrutivo, nossos desapontamentos e frustrações acabarão afinal por moderar-nos e ajudar-nos a encarar as realidades de nossas vidas. Daí que, seja quais forem os trabalhos ou obstáculos que tenhamos de enfretar no caminho espiritual, não devemos desistir - pois, se o fizermos, no fim de contas, é decisão nossa; mas se vacilarmos para trás e para a frente, indecisos, estaremostão-só desperdiçando um tempo valioso. Precisamos decidir agora a encarar a nossa vida com honestidade.
     Estamos sempre tentando, ou direta ou indiretamente, proteger os nossos egos e as nossas auto-imagens; esse hábito é um dos mais difíceis de largar. Gostaríamos que houvesse um modo de nos desenvolvermos interiormente sem ferir o ego, sem analisar, meditar e preservar. Todos gostaríamos disso se não tivessemos de trabalhar em nós mesmos. Infelizmente, porém, não é fácil progredir sem antes remover nossos obscurecimentos e em antes alcarar a nossa visão. Até quando imaginamos que nossa mente está clara, na verdade, ela pode estar inquieta, nublada ou cheia de sentimentos de "perda". Às vezes, até parece que não queremos ver. 

sábado, 14 de março de 2009

Troca de endereço.

Hoje as 19h30min tivemos a primeira prática na nova cede da Comunidade Zen Buddhista de Florianópolis. A pratica foi orientada pelo Monge Genshô, responsável por esta sangha. 
O endereço atual é: Praça Getúlio Vargas (Praça dos Bombeiros), 126  - Centro (Esquina Hermann Blumenau).

terça-feira, 10 de março de 2009

Decisão Tomada

       Primeiro respire. Solte todo o ar dos pulmões, esvazie o peito e o coração. Deixe o ar entrar. Há um ritmo natural. Perceba o seu próprio ritmo.
      Tendo aquietado o corpo e a mente, sentado ou de pé, sinta a vida pulsar em cada artéria, em cada veia. Nas teias da memória, procure o princípio do princípio, lá se encontra o vazio. E essa vastidão é repleta de vida, palpitação, pensamentos, silêncios, amores, desafetos, carinhos, e repulsão, tristezas, aflições, ansiedades e certezas.
      O maior presente é não ter medo. Se nada pertence ao ser, se somos um punhado de ossos, carnes, nervos, tendões, sangue, pleura, corações, sentidos, percepções, memórias, construções mantais, consciência e tudo o mais, somos a ligação disso tudo. Um organismo é feito de partes. Se uma parte falhar, todo o resto sofre.


Monja Coen - Viva Zen


quarta-feira, 4 de março de 2009

Ouvir o vento entre os pinheiros (2)


     O vento está em toda parte, mas não tem forma, nem voz. Para que possamos reconhecer, é necessário senti-lo soprando sobre nossa pele, movimentando plantas, árvores, nuvens ou uivando. Não podemos sequer ver o outono, escutá-lo ou pegá-lo com as mãos. Mas podemos perceber sua presença pelas folhas que mudam de cor, pelas espigas de milho que se tornam douradas. Podemos senti-lo nas vozes dos insetos que cantam à noite, ou nas chuvas que caem em silêncio. Podemos prová-lo nas maçãs ou caquis maduros.
     O céu e a terra são o corpo e a voz de Buda, manifestando-se por meio da forma e da voz de todas as coisas. ... Buda, na realidade, não tem nome nem forma. Justamente para isto vivem todas as coisas, das árvores a um fio de grama, de uma telha a uma pedrinha. Cada coisa nesta Terra e no Universo é a manifestação do corpo e da voz de Buda.
     ...
     Por mais que seja claro, em teoria, que somos uma manifestação da Natureza-Buda, se não praticamos os ensinamentos, não nos tornaremos verdadeiramente o caminho. E, no entanto, a Natureza-Buda se manifesta em nós independentemente de nosso conhecimento, consciência ou prática dos Preceitos. Exprime-se em nossa vida cotidiana. Por exemplo, quando tratamos com cuidado cada gota d'água ou cada planta, ainda que contra nossa vontade ou obrigados por outra pessoa; da mesma maneira, se vivemos uma vida ascética, se nos ocupamos de alguma coisa com devoção, mesmo nos trabalhos domésticos. 
     Uma gota de orvalho, onde quer que pouse - seja sobre uma bela flor ou sobre o esterco - brilha da mesma maneira, refletindo os raios de sol da manhã. É realmente uma grande alegria empenhar-se em práticas que brilham como o orvalho, em qualquer situação, para perceber a Natureza-Buda eternamente presente em todos nós.
     
Shundo Aoyama Rôshi - "Para uma pessoa bonita".

domingo, 1 de março de 2009

Ouvir o vento entre os pinheiros

    Yokoyama Rôshi... sempre tocava o apito de capim. ... Nunca me esquecerei de suas palavras, quando o visitei em Kaikoen: 
     "Quando disse a uma criança que se podia tocar o apito com qualquer folha, ela me perguntou se se podia também tocar com folhas de pinheiro. Eu respondi que as folhas de pinheiro, quem as toca é o vento. A voz do vento que assobia entre as folhas de pinheiro é o som mais belo que existe.
     Não é necessário que eu toque as folhas de pinheiro. O vento se encarrega disso. Que as toque eu ou o vento não tem importância, é a mesma coisa. Até quando uiva o vento, é sempre obra do Universo.
     Por menor que seja a voz, é sempre a voz do Universo. Até mesmo o silêncio tem seu timbre, ainda que não o possa-mos ouvir; e a montanha também tem sua voz particular, uma voz de montanha".
     Depois que o Rôshi se foi, no parque Kaikoen as árvores e as plantas, com o vento de Universo, continuam a tocar e cantar. Mas me pergunto se os visitantes atuais do parque conseguem perceber nesses sons a voz do Universo, a voz de Buda e o eco do apito de Yokoyama Rôshi.


Shundo Aoyama Rôshi - "Para uma pessoa bonita"